Quantas vezes você decidiu comprar um item por conta do frete grátis?
Quantas vezes você assinou um serviço que oferecia o primeiro mês grátis e depois continuando com a assinatura?
A verdade é que ficamos empolgados quando algo é grátis e muita das vezes tomamos decisões que são contrárias ao nosso interesse.
Dan Ariely, em seu livro Previsivelmente Irracional, explica que “grande parte das transações tem um lado positivo e um negativo, mas, quando algo é grátis, esquecemos o lado negativo. O grátis nos dá tamanha carga emocional que percebemos o que está sendo oferecido como imensamente mais valioso do que na verdade é…Não existe possibilidade visível de perda quando escolhemos um item grátis.”
Ao abordar um possível cliente recentemente, o mesmo alegou que não fazia sentido contratar meus serviços, pois ele era atendido por um assessor de investimentos, que não cobrava nada dele.
Mas a questão é: até que ponto esse serviço “grátis” é de fato gratuito? Se o assessor não cobra do cliente, como ele é remunerado?
São exatamente nessas interrogações que reside um dos pontos mais polêmicos dentro do mercado financeiro, o conflito de interesses.
O conflito de interesses ocorre em situações na qual há um desalinhamento entre os objetivos e as motivações de duas ou mais pessoas, ou seja, é o que ocorre quando um profissional tem um interesse diferente do objetivo de seu cliente, priorizando o benefício próprio — e não a favor de quem o contrata.
Tais situações podem fazer com que o cliente escolha investimentos que não são ideais para o seu perfil ou para os seus objetivos.
No final, o investidor é o principal prejudicado por um cenário desse tipo.
Um conflito bastante comum envolve o modo de remuneração de boa parte dos assessores de investimentos. Como a assessoria de investimentos é gratuita para o cliente, os agentes são remunerados pelas instituições financeiras, como a corretora de valores.
Na prática, os ganhos correspondem a uma porcentagem dos custos que o cliente paga na forma de taxa de corretagem. Por isso, há produtos com taxas maiores, bem como alternativas que geram uma porcentagem maior.
Embora o assessor não possa indicar investimentos ou fazer recomendações, ele atua como um tipo de distribuidor dos produtos financeiros. É como se fosse um vendedor ou o ponto de contato direto com quem investe.
Devido ao modo de remuneração e a como o assessor se relaciona com o cliente, o profissional pode apresentar produtos que oferecem uma comissão maior, em vez daqueles que podem ser mais interessantes para o cliente.
Sem conhecer outras possibilidades, o investidor pode terminar com uma alternativa que não é exatamente adequada ao seu perfil de investidor e/ou objetivos pessoais.
É preciso enfatizar que existem assessores que de fato priorizam os objetivos dos clientes acima de tudo. E do meu ponto de vista, o problema não está no assessor, e sim na forma como está estruturada a profissão.
Mas uma mudança significativa está para ocorrer.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que é o órgão máximo do mercado financeiro, lançou no dia 14 de fevereiro, duas novas regulações que impactam diretamente as atribuições dos assessores de investimentos (agentes autônomos).
Entre as mudanças das resoluções 178 e 179 estão o fim do regime de exclusividade, a possibilidade de sócios de capitais e transparência sobre remuneração.
Na Resolução CVM 179 traz modificações com objetivo principal de aumentar a transparência para o investidor sobre as remunerações da atividade de intermediação de valores mobiliários.
As principais mudanças são: exigência de divulgação de informações qualitativas e quantitativas sobre formas e arranjos remuneratórios e potenciais conflitos de interesse e a criação de extrato trimestral sobre remuneração.
“As alterações buscam promover transparência para toda cadeia de distribuição e dotar os investidores de informações importantes para sua tomada de decisão e acompanhamento de seus investimentos, em especial em um cenário de acirrada competição. É necessário ter as ferramentas para identificar eventuais conflitos de interesses e os incentivos que possam estar presentes na distribuição de produtos financeiros.”
Antonio Berwanger, Superintendente de Desenvolvimento de Mercado.
A resolução 178 e partes da 179 entram em vigor em em 1° de junho de 2023. Enquanto isso, os trechos remanescentes da Resolução 179 entram em vigor em 2 de janeiro de 2024.
Ainda existem muitos avanços importantes para tornar nosso mercado financeiro melhor, mas essa é uma mudança importantíssima e que traz mais clareza para o investidor.
Saiba mais em Marco Regulatório CVM 178 e 179